Recuperação da rede de esgoto deve salvar córrego de Pirituba ONG do bairro paulistano de Pirituba mobiliza comunidade e obtém da Sabesp sinal verde para iniciar obras de recuperação da rede coletora de esgoto no leito do córrego Cintra, num projeto que pode trazer o corpo d’água de volta à vida, há muito tempo perdida com o acúmulo de poluentes Mobilizar a comunidade pela abertura ao diálogo e troca de conhecimento. Foi assim que a ONG Associação Cultural Clube de Xadrez (ACCX), de Pirituba, na capital paulista, conseguiu uma resposta concreta da Sabesp para a recuperação de um trecho do córrego Cintra, que corta boa parte da região e se transformou em depósito de esgoto a céu aberto, afetando, inclusive, uma de suas nascentes. Das discussões embrionárias com os moradores do bairro nasceram soluções para reverter o quadro real de degradação ambiental. Em 2003, a ONG aderiu ao ‘Mãos a Obra pelo Tietê’ e passou a monitorar a qualidade da água de um ponto do Cintra. A esse trabalho somou-se a tarefa de manter as entidades locais informadas sobre a verdadeira situação do córrego, convocando-as periodicamente para discutir idéias e propostas que pudessem mudar a realidade. Reginaldo Prado, um dos fundadores da ACCX e responsável pela coleta e análise da água, conta que num primeiro contato com as demais associações de bairro a sugestão proposta pelos moradores era a de canalizar o braço que leva o esgoto ao Cintra. Eles desconheciam, porém, que já existe uma rede coletora de esgoto ao lado do trecho analisado. Segundo Reginaldo – que é técnico comunitário da Sabesp-Pirituba –, a rede foi instalada na década de 1980, mas desde então permaneceu desativada. Nesse trajeto, o pessoal da ACCX contou com o apoio da Fundação SOS Mata Atlântica que, através do Fundo de Pequenos Projetos, possibilitou à ONG elaborar um jornal mensal que, desde dezembro de 2004, vem informando a população sobre o trabalho da entidade e de outros grupos locais, além de convoca-la, sempre que necessário, para novas discussões de interesse do bairro. Em um desses encontros, a comunidade tomou conhecimento do sistema desativado da Sabesp e descobriu que com a recuperação da rede coletora não seria necessária a canalização. Com o apoio de algumas escolas e entidades comunitárias, como a Associação dos Moradores do Parque Maria Domitila e a Cooperativa de Coleta Seletiva Solidária de Pirituba, a ACCX conseguiu uma adesão significativa em favor da recuperação da rede de coleta. Um documento contendo cerca de 1,5 mil assinaturas foi enviado, no final do ano passado, ao governador do Estado, que por sua vez o encaminhou à Sabesp para iniciar o trabalho de ativação do sistema coletor. Mas nem todos ficaram satisfeitos com a aprovação do projeto, sobretudo os moradores do entorno do córrego. “As casas próximas ao braço do Cintra onde eu faço a análise mantêm o cano externo do esgoto na parte superior da parede, o que, literalmente, espalha o lixo despejado por todos os lados. Com a recuperação da rede, esses moradores terão que estender o cano até o solo, para que a Sabesp possa conecta-lo ao sistema. E isso implica em gastos”, justifica Reginaldo. Outra questão também se relaciona aos custos, uma vez que a conta de água dessas casas aumentará com o serviço de coleta do esgoto doméstico. Apesar do aumento nos gastos, que pesará com mais força sobre a população carente, a possibilidade de recuperar a água do córrego poderá promover uma melhor interação da comunidade com os recursos naturais que fazem parte da paisagem cotidiana de cada um. E o estreitamento dessa relação repercutirá, sem dúvida nenhuma, no processo de sensibilização para o meio em que habitam. “As crianças não podem nem chegar perto do córrego, pois o cheiro é muito forte. Só de manusear a água a pessoa já sente um mal-estar”, explica o diretor da ACCX. Para se ter uma idéia da situação, Reginaldo lembra com espanto que, certa vez, um menino que o acompanhava na coleta da água ficou com os lábios totalmente brancos só de cheirar o frasco onde foi colocado o líquido para a análise. Um passo importante na tarefa de conscientização comunitária já foi dado, sobretudo a partir do trabalho de monitoramento do Cintra, conforme aponta Reginaldo: “O projeto permite um contato direto com a água, que antes era vista de longe”. Aqui vale uma rápida observação sobre a história de luta no bairro de Pirituba. São inúmeras as entidades que atuam na região, sejam nas questões ligadas ao meio ambiente, sejam nos programas de assistência social à população mais carente. Nesse contexto, Reginaldo destaca a criticada presença dos Sem-Terra, explicando que o movimento atua de três maneiras na região: “Tem o pessoal que ocupa a área; têm aqueles que compram um terreno pra fazer o assentamento; e, por fim, o grupo que encaminha a população ao CDHU e ao PROCAV”. Segundo o coordenador da ACCX, o problema está no fato de que muitas dessas entidades ambientalistas não estão de acordo com a ocupação promovida pelo movimento. Porém, na opinião dele, as ONGs locais têm se concentrado muito na questão dos Sem-Terra, esquecendo toda a exploração imobiliária da região, grande responsável pelo desmatamento difuso. “Na área turística do Jaraguá, por exemplo, os Sem-Terra fizeram a compensação ambiental, conseguindo junto à Sabesp a construção de uma mini-estação de tratamento de esgoto”, relata Reginaldo. “A água tratada nessa estação é despejada no córrego do Ribeirão Vermelho com a qualidade própria para não poluir o rio”, explica. Diante dessas discussões, a ACCX tem se concentrado na inclusão social da população mais carente do bairro e nos problemas de degradação dos recursos hídricos; este último, na opinião de Reginaldo, ainda tem pouco espaço no consciente coletivo. Nessa linha de pensamento, o diretor da Associação define a situação do bairro: “Pirituba é uma fronteira entre ambientalistas e Sem-Terra”. Mas isso é assunto para outra discussão.