Arte ensina meninos e meninas a cuidarem do futuro Em entidade de formação de crianças e adolescentes de Sapopemba, monitoramento da água do córrego Taboão fortalece programa de cidadania e perspectiva de `mudar o mundo` onde vivem, tanto na produção cultural de fundo ambiental quanto nas ações bem sucedidas de coleta seletiva “Não dá pra brincar de ONG e sair pedindo dinheiro”. Com essa frase, o fundador da AMEM – Associação de Meninos e Meninas, Wagner Antonio de Souza resume o aprendizado do que começou como brincadeira e virou entidade de atendimento regional a crianças, adolescentes e a comunidade como um todo de Sapopemba. A missão de formar futuros cidadãos para transformar a realidade social a sua volta, num contexto de grande exclusão e violência, somou-se à proposta de oficinas de reciclagem e educação ambiental por meio do desenvolvimento da linguagem artística. Hoje, a AMEM atende cerca de 120 jovens, que participam de mais de 12 oficinas, entre teatro, percussão, grafite, espanhol, inglês, reforço escolar e até francês. Mais do que um público-alvo composto só pela juventude, as ações da entidade tomaram as dimensões de políticas públicas, passando a atingir as famílias da comunidade local. Num único dia, em 16 de abril de 2004, a ONG organizou o chamado ‘Dia D’, em que parceiros das mais diferentes áreas atenderam a população mais carente com serviços de medicina, odontologia, assessoria jurídica e até atendimento para retirada de carteira de identidade e outros documentos de garantia da cidadania. As possibilidades de acesso à educação e cultura para os jovens foram abertas em 2003, quando Wagner abriu a varanda de sua casa para os ensaios de um grupo de teatro amador inspirado na reciclagem do lixo. O projeto virou o ‘Comunidade Recicla’, com a coleta feita de porta em porta nas casas do bairro, gerando renda para a compra das roupas do teatro. Hoje é comum ver a comunidade colocando o lixo separado do lado de fora para os catadores que passam às terças-feiras. Aos poucos, professores voluntários também foram desenvolvendo e revelando os talentos escondidos entre os jovens da AMEM. O espetáculo ‘Reino de São Paulo’ foi apresentado mais de cem vezes em eventos públicos e escolas, enquanto o grupo artístico tomou rumos profissionais, tendo apresentado as peças ‘Capitães de Areia’ e ‘Liberdade, Liberdade’ em grandes teatros da Zona Leste, como o de Tatuapé. “Conquistamos convênios com a Secretaria de Cultura para as apresentações e, no caso da formação em música, os alunos já gravaram um CD com letras que retratam a realidade do bairro, como a da música ‘Favela, Favela’. Esse tipo de apresentação dá visibilidade para a ONG, mas o interessante é vê-los atuando como profissionais e formando uma verdadeira rede de atuação local”, ressalta o criador do trabalho, Wagner Souza. Sua proposta está baseada no intercâmbio entre conscientização ambiental e cultura, além da geração de parcerias que, segundo ele, levam à inclusão, contribuindo para a inserção no mercado e a conquista do primeiro emprego. Foi em seu próprio ambiente profissional que Wagner descobriu o potencial de conscientização das comunidades. Funcionário da Natura Cosméticos na época, ia com freqüência nos encontros que a empresa promovia em Itapecerica da Serra para mostrar à população como separar as embalagens e o lixo em geral, chegando a criar pequenas encenações para fixar os conceitos ambientais. Wagner, que descobriu no próprio ambiente empresarial quando era funcionário da Natura Cosméticos o potencial para envolver comunidades excluídas. “Foi em Itapecerica que senti o potencial para envolver as comunidades mais excluídas, mas o trabalho tinha que ser em Sapopemba, por ser o bairro onde vivo e onde o índice de desenvolvimento humano é um dos piores do país”, revela Wagner. A idéia da AMEM também pode ter nascido da própria panorâmica que o administrador tem da varanda de sua casa: é comum ver jovens fazendo ‘aviãozinho’, que na gíria significa a entrega de drogas entre os usuários. O bairro está entre os mais violentos da Zona Leste. O que começou com a fixação de chácaras de colonos portugueses, por volta de 1920, é hoje um emaranhado de moradias sobrepostas onde vivem mais de 280 mil habitantes. O pior é a própria falta de alternativa ao tráfico, já que faltam áreas públicas para o lazer ou praças com um pouco de verde em meio ao concreto. Assim, um dos principais estímulos para a criação de um novo olhar entre os jovens veio com a parceria com o Núcleo Pró-Tietê, para a criação de um grupo de monitoramento do Córrego Taboão. O cenário da ação é naturalmente desolador: grandes empresas de bairros como Vila Primavera, Jardim Colorado e Vila Matias descartam ali seus resíduos químicos, além da degradação pelos esgotos clandestinos à céu aberto e o lixo jogado direto no córrego, incluindo animais mortos e entulhos de obras. “O uso do kit de análise, como ferramenta de educação ambiental, permitiu atingir o sentimento das crianças em relação ao rio. No primeiro dia do monitoramento estavam eufóricas e, conforme fomos passando pelas ruas outras crianças foram se juntando ao grupo. Às vezes, são até 30 pessoas monitorando, participando e sentindo o orgulho de estarem representando a SOS Mata Atlântica, uma ONG que defende a natureza”, conta a liderança do grupo e membro da AMEM, Andréia dos Santos Souza. Além do reflexo no comportamento, a preocupação com a situação dos recursos hídricos reverteu na organização de uma passeata das águas, com a presença dos alunos da escola estadual local, a EE Santos Amaro da Cruz. Segundo Andréia, a recompensa do esforço é ver os jovens querendo mudar o mundo, catando lixo na rua e corrigindo os pais dentro de casa. “Eles vêem outra realidade e mudam de atitude, há a história de um menino de oito anos que foi juntando o jornal do pai todos os dias até formar uma pilha enorme para os catadores...”, vai revelando a líder. Também são comuns as histórias de transformação pessoal dentro da AMEM, como a da jovem funcionária Sabrina, de uma das áreas mais pobres da Cidade Tiradentes, e que hoje se dedica inteiramente à música, tendo descoberto a vocação para a percussão. Em 2004, ela foi uma das mais aplaudidas pelos representantes da Unicef do Brasil que vieram visitar a entidade. Também foi na banda de percussão que ela e outros jovens músicos desfilaram no 1º Carnambiental de São Paulo, organizado pelo Núcleo Pró-Tietê ao lado do Memorial da América Latina, para mobilização artística pela gestão das águas, ainda em 2004. Para integrar a entidade, no entanto, os jovens precisam ter freqüência escolar comprovada e compromisso em se dedicar a uma das oficinas educativas. Cerca de 40% das famílias, contribuem com dez reais ao mês para as atividades da AMEM. Mas é na parceria com pequenas e médias empresas tradicionais da região, que o administrador enxerga as perspectivas de continuidade do trabalho da ONG. “Somos cobrados pelas próprias famílias que vêem na AMEM um parceiro para o futuro dos filhos, então temos que priorizar a excelência no trabalho. Isso acontece pela articulação com empresas para formação de mão-de-obra, pelo apoio dos órgãos públicos e via recursos do setor privado. Muitos empresários ficam encantados com nossas apresentações”, expressa Wagner. Mas a essência do trabalho da AMEM permanece no enfoque de união entre o cultural e o ambiental, despertando nas crianças e adolescentes a vontade de conhecer outras realidades. “Nesse tempo, tenho aprendido o quanto o visual, o belo e o artístico chamam atenção para o meio ambiente”, finaliza o fundador da ONG, que em 2005 começa parceria com as escolas locais para resgate da história e do percurso do córrego Taboão. FOTOS DO MONITORAMENTO NO SITE WWW.ONGAMEM.ORG.BR