Luta anti-racismo dialoga com preservação do espaço urbano Em Americanópolis, capital paulista, ONG investe na revitalização de espaços públicos como meio de sensibilizar os moradores para a preservação dos recursos naturais da região e da afirmação da cultura negra na sociedade Na ONG Fala Preta, que funciona no segundo andar de um pequeno prédio do bairro da Liberdade, em São Paulo, jovens ditam o ritmo de trabalho intercalando discussões sobre racismo com anseios típicos de uma geração que está diante de um mundo a ser descoberto. Ali, a moçada da comunidade de Americanópolis, no distrito paulistano do Jabaquara, mostra que não vale a pena esperar por decisões das instâncias públicas para sensibilizar os moradores da região sobre a questão da preservação de seus espaços comunitários e da discriminação racial. Da necessidade de mudanças concretas nasceu a Cooperafro, uma cooperativa da Fala Preta que reúne jovens de 16 a 24 anos e atua diretamente nos problemas mais relevantes da comunidade de Americanópolis. Na sala reservada à sede da cooperativa, os jovens se revezam entre atividades artesanais com material reciclável – cuja renda obtida com a venda de artesanatos é dividida entre os associados da cooperativa –, de conscientização ambiental – através do monitoramento da água do córrego Marapés – e de revitalização de espaços públicos do bairro. O monitoramento do córrego Marapés começou em 2003, quando a Fala Preta entrou para o projeto ‘Mãos à Obra pelo Tietê’, da Fundação SOS Mata Atlântica. Por não usar a água do córrego para abastecer suas casas, boa parte da população se mostra pouco sensível à sua preservação. Uma parte do córrego está canalizada; a outra, se transformou num depósito de lixo doméstico a céu aberto. A partir daí, jovens que já faziam parte da Cooperafro – todos moradores de Americanópolis – foram capacitados para a coleta e análise da água, realizada mensalmente. “Controlar a qualidade da água do córrego que atravessa a comunidade é apenas uma entre tantas iniciativas defendidas pela moçada do bairro”, conta Lílian Oliveira Guimarães, atual coordenadora da Cooperafro. Para Lílian, ou melhor, Latoya – como é conhecida entre o pessoal da Fala Preta e da comunidade do hip hop, na qual é cantora – a Cooperafro ajudou a organizar os jovens do bairro, que até então não dispunham de qualquer espaço para discutir as questões que mais interferiam no seu cotidiano. E essa organização tem dado resultados. Em 2003, uma parceria entre a Cooperafro, o Serviço Social do Comércio (SESC), a Associação Caminhando Juntos, da própria comunidade, e a subprefeitura do Jabaquara revitalizou duas praças do bairro. “Ao ver mudanças concretas, os moradores começam a se sensibilizar para outras questões e acabam percebendo que é possível, com a participação de todos, desenvolver pequenas melhorias na região”, ensina Latoya. Mas o trabalho de revitalização não pára por aí. A coordenadora da cooperativa conta que os jovens da Cooperafro fizeram, em 2004, um levantamento de todos os espaços públicos do bairro, onde pontuaram as prioridades para um melhor aproveitamento do local, e encaminharam ao SESC, que se encarregará, através de parcerias, do trabalho de revitalização das áreas destacadas pelo projeto. Latoya aponta para o fato de que um trabalho de conscientização ambiental junto à população da comunidade de Americanópolis também deve contar com o apoio de parcerias envolvendo iniciativa privada e órgãos públicos. “Os jovens associados da Cooperafro sabem que podem atuar como protagonistas na luta para reverter algumas situações precárias em que se encontra o bairro como, por exemplo, as péssimas condições da água do córrego Marapés. O mais difícil é fazer nascer entre os moradores da comunidade esse mesmo sentimento”, analisa Latoya, conhecedora das dificuldades enfrentadas por aqueles que resolveram abraçar causas que, até alguns anos atrás, figuravam-se praticamente perdidas – sem parecer redundante, vale a pena mencionar o histórico preconceito racial presente em nossa sociedade. “Assim como a Fala Preta tornou-se uma porta-voz dos negros, buscando meios para conscientizá-los de seus direitos como cidadãos e denunciando o preconceito sempre que nos dão oportunidade de falar, a Cooperafro nasceu com a proposta de se transformar num espaço da juventude negra”, explica Latoya. Vale ressaltar a percepção da ONG sobre a necessidade de se criarem esses espaços para que os mais jovens – cheios de idéias e com energia suficiente para brigar por mudanças – amadureçam seus pensamentos, sobretudo aqueles ligados a questões mais amplas do grupo no qual estão inseridos. Tal visão se confirma pela fala da própria coordenadora da cooperativa: “Os jovens que nos procuram já chegam com objetivos concretos”. Trabalhar com jovens pode significar uma resposta imediata às questões colocadas como mais problemáticas. Se não há interesse, dá para notar logo de início. Por outro lado, quando se percebe um sinal de engajamento, mesmo que ainda tímido, o potencial de conscientização é ilimitado. Não é à toa que a idéia de revitalização das praças da comunidade de Americanópolis partiu da galera mais jovem do bairro. Para Latoya, esse trabalho tem mostrado que a juventude encara o espaço urbano de uma forma mais ampla, onde o aspecto ambiental já não é mais deixado de lado. “Quanto mais rápido a moçada tenha o apoio necessário para a realização de um trabalho contínuo, que envolve contato direto com pessoas especializadas na causa ambiental, discussão nas escolas locais e troca de informação com os moradores da comunidade, mais cedo a gente vai notar as mudanças”, aposta, com otimismo, a coordenadora da Cooperafro.